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sábado, 1 de fevereiro de 2014

Pedrinhas e a questão penitenciária
Alexandre Pereira da Rocha

O Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, ganhou destaque nacional e internacional. Motivo: a divulgação das cenas de três detentos decapitados vítimas de facções criminosas atuantes nas prisões. Não obstante, muito antes desse fato, as unidades penais Pedrinhas já passavam por outros problemas comuns à maioria das prisões brasileiras: superlotação, rebeliões, fugas, violência e corrupção.

A situação das unidades prisionais de Pedrinhas simboliza um tipo ideal às avessas, em que se ressalta tratamento cruel e desumano como punição. O pior que pode existir numa prisão tem ocorrido em Pedrinhas. Isso foi apreendido numa inspeção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na qual se constatou que o Centro de Detenção Provisória (CDP) de Pedrinhas é: uma penitenciária superlotada, sucateada e controlada por facções criminosas diante um poder público omisso. 

Entretanto, essa realidade só parece ter incomodado o governo do Maranhão por causa da repercussão que o fato dos presos decapitados adquiriu. Note-se: quase 60 mortes de detentos já tinham ocorrido em Pedrinhas ao longo de 2013, sem gerar grandes preocupações às autoridades públicas. Infere-se que, se as imagens de terror nas prisões não tivessem sido divulgadas, o governo maranhense continuaria a ignorar a precariedade do seu sistema carcerário.

É fato. Hoje o Complexo Penitenciário de Pedrinhas está sob os holofotes, mas outros já ocuparam e ocuparão essa posição. Afinal, em prisões superlotadas, inseguras e sucateadas, acharques aos direitos humanos e ações violentas de facções criminosas ocorrem habitualmente. Isso não é novidade para deixar governantes chocados. No geral, há tempos estudos e acontecimentos apontam para o colapso do sistema prisional maranhense e de outras unidades da federação.

Não obstante, discussões sobre o sistema prisional brasileiro têm ocorrido em momentos de crises agudas, como a atual nas prisões do Maranhão. Até agora a estratégia adotada foi de apagar os focos de incêndio, quer dizer, sobrestar as crises. Nesse sentido são conduzidas as tratativas para conter a violência no Maranhão: a comitiva do Ministério da Justiça foi enviada a São Luís para ratificar a atuação da Força Nacional e a transferências de detentos para presídios federais. Decretou-se um plano emergencial para frear o caos na segurança pública e mudanças foram prometidas.

Mas outra vez não se aborda a fundo a temática penitenciária. Vale aqui revisitar a obra: “A Questão Penitenciária”, do criminalista Augusto Thompson, escrita ainda em 1976. De forma resumida ele já denunciava a rotina violenta das prisões, suas limitações físicas e a falência no quesito ressocialização. Ele traz um axioma intrigante: “a penitenciária não pode recuperar criminosos nem pode ser recuperada para tal fim”. Desse modo, a instituição prisão tem se tornado em depósito de sentenciados, sendo que a finalidade é apenas retirar os rotulados como criminosos de circulação.

A questão penitenciária cogitada por Thompson tem sido refletida por outros pesquisadores e organismos do campo de direitos humanos, porém com escassas contrapartidas do poder público. Com efeito, situações semelhantes à de Pedrinhas se repetem. Pior, a crise já não está mais restrita aos muros e às grades das prisões. Note-se: nas primeiras ações estatais para resgatar a ordem em Pedrinhas, criminosos foram às ruas causando pânico e a morte de uma menina. A título de exemplo, em São Paulo, integrantes de facções criminosas gestadas nas prisões têm promovido uma guerra contra as forças de segurança pública. Só em 2012, mais de 100 policiais militares foram mortos por criminosos.

Para complicar a questão, prevalece no senso comum a ideia de que investir em prisões é beneficiar bandidos. As prisões devem ser mesmo horrendas para que os presidiários paguem por seus crimes. Essa é a vingança da sociedade contra os criminosos. Esse revanchismo ilógico encontra abrigo numa parte considerável da classe política, de autoridades do aparelho de justiça criminal e da mídia, as quais incentivam um populismo penal como o meio eficaz de lidar com a criminalidade. Resultado: mesmo com as prisões brasileiras superando 500 mil indivíduos, a insegurança se generaliza.

A tragédia do Complexo Penitenciário de Pedrinhas não pode ser vista isoladamente. De um lado, ela é prova do descaso do governo estadual. De outro lado, insere-se numa crise sintomática do sistema prisional brasileiro. Decerto, o caos de Pedrinhas traz novamente à tona a questão penitenciária, que governos negligenciam e sociedade desconhece. Urge decifrar essa questão, pois estamos sendo devorados pelas omissões do poder público e violência das facções criminosas.